Um dos desafios da popularização da cirurgia robótica é a sua longa curva de aprendizado. O processo de treinamento de um médico que quer aprender a operar com o robô envolve treinamento em simulador, obtenção de certificação e realização de pelo menos vinte cirurgias acompanhado por um cirurgião mais experiente.
Ao mesmo tempo em que todo esse processo é fundamental para que a cirurgia seja realizada com segurança, otimizar o treinamento em cirurgia seria uma forma de possibilitar que mais médicos sejam capazes de operar o sistema cirúrgico da Vinci e oferecer os melhores resultados para seus pacientes.
Nesse sentido, um artigo publicado no Journal of Robotic Surgery no fim de 2020 propõe o treino cognitivo como um aliado nesse processo, defendendo que essas técnicas são capazes de melhorar habilidades como atenção, memória de trabalho e resolução de problemas, aumentando a capacidade cirúrgica do médico.
O que é treino cognitivo e como ele atua na medicina
A capacidade de se adaptar nosso cérebro e desenvolver novas habilidades ao longo da vida é chamada de neuroplasticidade, que é a ciência por trás do treinamento cognitivo.
Essa técnica já é amplamente utilizada por diversos profissionais da saúde para ajudar seus pacientes após uma lesão cerebral, por exemplo. Nesse tipo de tratamento, o objetivo é melhorar a memória, a atenção, o raciocínio, capacidade de planejamento e funcionamento executivo em geral.
Agora, o treinamento cognitivo também tem sido implementado e utilizado de maneira indireta, em análises de tarefas cognitivas ou simulações cognitivas baseadas em computador para pilotos e até mesmo atletas.
Nesses cenários, diversos estudos sugerem que o treino cognitivo está relacionado à maior estabilidade de atenção e autoconfiança.
Nos últimos anos, a relação entre as habilidades cognitivas e o desempenho na educação médica têm sido discutidas, mas o treinamento cognitivo ainda não está validado ou foi implementado na educação cirúrgica.
Treinamento robótico e treinamento cognitivo
Em 2019, 33 alunos voluntários foram questionados sobre seu desempenho como parte de uma entrevista psicológica semi estruturada, com perguntas a respeito de suas habilidades para que pudessem se autoavaliar com precisão e comunicar a sua experiência. Todos eles passaram por um exame inicial no robô da Vinci.
Posteriormente, foram divididos em três grupos, sendo que o primeiro recebeu treinamento no simulador da Vinci, o segundo recebeu treinamento cognitivo e o terceiro não recebeu qualquer treinamento.
Interessante ressaltar que o treinamento cognitivo realizado pelo grupo 2 foi desenvolvido e validado no Centro Aeroespacial Alemão, e costuma ser utilizado no diagnóstico e adequação de pilotos, controladores de tráfego aéreo e astronautas europeus.
Eles trabalharam com cálculo mental, concentração e atenção, orientação espacial e memória visual. Mais tarde, foram orientados a repetir o teste inicial mais uma vez depois de praticar pelo menos 20 vezes..
Em resumo, houveram algumas limitações neste estudo piloto, como o tamanho da amostra, que foi muito pequeno, e a perda de probandos no seguimento. O grupo 2, que não seguiu as instruções propostas de praticar exercícios repetidamente.
Faltou controle no programa de treinamento e isso pode ter se refletido no resultado: enquanto o grupo que treinou no simulador tiveram bom desempenho, uma deterioração foi observada no grupo 2 após o treinamento cognitivo.
Como destacam os pesquisadores, é possível supor que o treinamento cognitivo não tem um efeito positivo no contexto da cirurgia robótica. Entretanto, temos muitas evidências da relação positiva entre orientação espacial e capacidades motoras, que inclusive é utilizada na seleção e treinamento de astronautas da Agência Espacial Europeia.
De qualquer forma, ficam questionamentos interessantes a respeito de possíveis habilidades manuais ou requisitos pessoais para melhorar o treinamento ou adquirir habilidades cirúrgicas. Esses dados seriam importantes para projetar um treinamento mais eficaz, por meio das técnicas do treino cognitivo, para complementar o que já é feito em relação à cirurgia robótica, que também possui suas limitações.
Levando todos esses fatores em conta, ainda é necessário realizar mais investigações a respeito do treino cognitivo e a cirurgia robótica.