Eu sempre fico muito feliz quando algum colega compartilha comigo a vontade de se certificar em cirurgia robótica. Um dos meus maiores sonhos é ver esse tratamento totalmente democratizado e acessível, e com cada vez mais bons especialistas operando em todo o Brasil.
É verdade que é preciso ter muita força de vontade e dedicação. Não é fácil porque, como eu sempre digo, a máquina não aprimora as competências básicas de ninguém, apenas potencializa. Sendo assim, é fundamental que o cirurgião seja muito bem treinado para operar com o robô.
Uma ferramenta tecnológica para auxiliar o médico
Ainda é comum que alguns pacientes acreditem que a operação será feita pelo robô e não pelo médico cirurgião, talvez pela própria nomenclatura usada: “cirurgia robótica”.
Já aconteceu, por exemplo, de um homem que passou pela prostatectomia me contar que foi operado pelo robô, sem se lembrar nem mesmo o nome do cirurgião que realizou o procedimento.
O problema dessa visão é que ela pode dar a entender que não fará diferença operar com um cirurgião que já fez centenas de procedimentos ou um que fez poucos casos.
Ao contrário do que se pensa, a curva de aprendizado da cirurgia robótica é bastante longa e exige horas e horas de treinamento
Neste texto, vou compartilhar com vocês quais são os primeiros passos nessa jornada rumo à excelência.
O processo do treinamento em cirurgia robótica
A partir daí, tudo começa com muitas horas de simulação no Mimic, um equipamento que possui todos os instrumentos que existem no robô real. A ideia é que o profissional consiga reproduzir, nesse aparelho, todas as situações de uma operação.
Além de treinar os movimentos e habilidades cirúrgicas necessárias para o procedimento, o médico pode avaliar o próprio resultado com as métricas fornecidas pelo simulador, já que ele informa onde, exatamente, é preciso melhorar para tentar atingir determinada performance.
Após essa primeira fase, o cirurgião vai para algum centro de treinamento para tirar a sua certificação. Sem esse título de aptidão, o cirurgião não pode realizar qualquer procedimento robótico.
O papel do proctor no treinamento
E, mesmo de posse dessa certificação, ao voltar para a sua cidade de atuação, o profissional deve ainda realizar as primeiras cirurgias com a ajuda de um proctor, que é um cirurgião mais experiente que estará ao seu lado para ensiná-lo e passar mais segurança nesse início.
São recomendadas, no mínimo, 20 cirurgias com acompanhamento para que o médico seja considerado apto a operar sozinho, com segurança e eficácia.
Depois desse período, o proctor o avalia e declara se ele está apto ou não a atuar sozinho, sem tutoria. Eu mesmo atuo como proctor dos hospitais Felício Rocho e Mater Dei, em Belo Horizonte.
Uma dica que posso dar para colegas cirurgiões e residentes é que um médico que estava acostumado a operar apenas com a cirurgia aberta e migra para a robótica vai sentir um pouco mais de dificuldade do que aquele que já realizava a cirurgia laparoscópica.
A transição entre a laparoscopia e a robótica é mais suave, fazendo com que o cirurgião atinja performances satisfatórias mais rápido.
No meu caso, tive o privilégio, na minha formação, de fazer muitas cirurgias abertas e muitas videolaparoscopias antes de começar meu treinamento em robótica.
Treinamento com realidade virtual para a cirurgia robótica
Uma novidade no treinamento para cirurgia robótica é a utilização de realidade virtual. Essa tecnologia é comumente utilizada em videogames e permite, tanto a residentes quanto a cirurgiões mais experientes, o desenvolvimento de habilidade em ambientes simulados que se aproximam muito de procedimentos reais.
Assim como num videogame, o médico vai utilizar um óculos de realidade virtual e controles ou luvas, passando por uma simulação desde a entrada no centro cirúrgico até toda a intervenção cirúrgica e finalização do procedimento.
Algumas plataformas chegam a oferecer simulações de possíveis complicações durante a cirurgia.
Toda essa tecnologia utiliza recursos-chave como o realismo visual, realismo fisiológico e estímulo hepático, aumentando a sensação de tato.
Quando o cirurgião começa o treinamento, tem a oportunidade de experimentar a sensação de pegar os instrumentos, encaixar e desencaixar peças e realizar a cirurgia em um paciente virtual, que tem suas funções vitais monitoradas por aparelhos como se estivesse em um centro cirúrgico real.
O feedback inicial vem do simulador de cirurgia robótica
Como ferramenta de aprendizagem, os sistemas contam com uma avaliação crítica e um feedback de tudo o que é feito nos testes. Geralmente, os programas classificam o desempenho de cada um com base no tempo, na precisão e em outras métricas nas quais os cirurgiões são comumente avaliados. Assim, o profissional pode aprimorar ainda mais suas habilidades, diminuindo o tempo de uma cirurgia e facilitando o pós-operatório dos pacientes.
A importância dos avanços no treinamento em robótica
Estudos internacionais apresentados pelo Johnson & Johson Institute mostraram que há cinco bilhões de pessoas no mundo sem acesso a cuidados cirúrgicos. Os relatórios revelaram ainda que médicos cirurgiões não qualificados geram três vezes mais complicações e cinco vezes mais mortalidade nas cirurgias frente a cirurgiões qualificados.
Sem dúvidas, o futuro caminha para o uso do máximo apoio da tecnologia na área médica, principalmente na cirúrgica. Entretanto, nunca é demais lembrar que isso não significa a substituição do contato interpessoal entre nós e o paciente. O papel do médico é, e sempre será, fundamental em qualquer tipo de tratamento.
Experiência ainda é fundamental para a excelência em robótica
É no cotidiano, com a prática diária de suas operações, que o cirurgião desenvolve a sua curva de aprendizado.
Essa tecnologia pode ser comparada à uma Ferrari, por exemplo: quem não sabe operar um carro como esse pode sequer conseguir dar a partida no motor ou, pior ainda, pode acabar sofrendo um acidente muito grave em alta velocidade.
Ou seja, o robô é um equipamento que reproduz o movimento do médico. Se o cirurgião fizer um movimento errado, o robô irá reproduzir o mesmo erro. Por isso, quanto mais fazemos, melhor fazemos. E quanto mais experiente for o profissional no comando do robô, melhor a máquina entregará todos os benefícios que promete ao paciente.